Introdução sorrateira do software de rastreamento da Phorm por provedores brasileiros não passa despercebida

O acordo realizado pela empresa norte-americana Phorm com diversos provedores de acesso brasileiros (Oi,UOL. Ig, Estadão e Terra), tratado em post anterior, começa a dar mostras de que não passará despercebido e que a reputação no mínimo duvidosa de que a empresa goza no exterior pode acompanhá-la na sua vinda ao Brasil.

O colunista Elio Gaspari, em texto publicado hoje (31/03/2010) e intitulado “A trapaça do rastreador Oi na Velox” [acesso pago], enfatiza a forma como uma ferramenta de rastreamento, que pode apresentar problemas para a privacidade dos usuários, é ativada automaticamente pela Oi para os seus clientes, que não recebem informações suficientes sobre suas características. Aliás, as informações fornecidas ao consumidor apresentam um habitual tom ufanista sobre suas vantagens. Segue trecho:

A Oi trapaceia na maneira como oferece o “Navegador”. O sujeito liga a máquina, aciona o Velox e vê uma tela que lhe apresenta a “facilidade” (em relação a quê?). A lisura recomendaria que a empresa mencionasse, de saída, a função rastreadora do “Navegador”.

Até aí, manipulam a comunicação. No lance seguinte, recorrem a uma pegadinha para capturar clientes. Quando a tela do “Navegador” aparece, o mimo é oferecido com o aviso de que ele “já está ativo”. A tela do “Navegador” permite que o consumidor desative a ferramenta, mas não é assim que se faz. Uma pessoa não pode ser obrigada a desativar algo que não solicitou.

Em relação à entrada da Phorm no mercado brasileiro, pode ser possível tirar algumas conclusões preliminares do gráfico da sua cotação em bolsa (LSE) nos últimos dois meses, pelo qual no dia 26/03, dia do anúncio do acordo com os provedores brasileiros,a cotação das ações da Phorm atingiu um pico que, quase que imediatamente, reverteu:

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[Yahoo!Finance]

A atuação da Phorm no mercado britânico foi alvo de severas críticas, testemunhadas por sites como:

http://www.badphorm.co.uk/

https://www.dephormation.org.uk/

Ou nas notas de Sir Tim Berners Lee

Bem como noticiado pela BBC.

Brasil torna-se porto seguro para tecnologia que, no exterior, é considerada de alto risco para a privacidade.

A empresa Phorm anunciou hoje que entrará no mercado brasileiro de publicidade online, tendo acordos já estabelecidos com provedores de serviços como Estadão, IG, OI, Terra e UOL [Reuters].

O que é a Phorm? A empresa norte-americana inicialmente denominava-se 121Media e ficou conhecida por oferecer produtos caracterizados como spyware, que recolhiam hábitos de navegação dos seus usuários e dificultavam sua própria remoção. Em 2007, após mudar o próprio nome para Phorm, concentrou-se na área de publicidade on-line. Seu produto, denominado Webwise, procurava determinar os hábitos de navegação de um usuário na Internet para a exibição de publicidade dirigida.

Qual o problema com a Phorm? O fato deste produto ser concebido como um sistema de opt-out, isto é, que seria ativado mesmo sem o consentimento da pessoa que navegasse na Internet, levantou várias dúvidas sobre sua legalidade na Inglaterra, onde seria inicialmente oferecido. Mesmo a eventual opção em sair do sistema (opt-out) pelo seu usuário não parecia ser eficaz.

Após severas ressalvas da autoridade de proteção de dados britânica, a Comissão Européia, através de sua comissária de tutela das comunicações, solicitou que o governo britânico tomasse providências contra os danos causados  à privacidade dos consumidores pelo produto da Phorm. As grandes empresas britânicas que utilizariam estes serviços (entre elas BT (British Telecom) e Virgin Media), acabaram por não levar adiante a intenção de trabalhar com a Phorm, que não mais oferece seus serviços em território britânico.

A Phorm e o Brasil. Em busca de mercados que recebam mais calorosamente seus produtos, a Phorm começou a atuar na Coréia do Sul e anunciou a parceria com os provedores brasileiros para oferecer ser produto Navegador (originalmente denominado Web Discover), que também exibe publicidade dirigida aos seus usuários através do monitoramento de seus hábitos de navegação, utilizando-se de técnicas de DPI (Deep Packet Inspection).

Até o momento (26/03/2010), nenhum anúncio oficial parece ter sido feito pelos provedores brasileiros mencionados pela Phorm, o que impossibilita que se estabeleça com precisão qual o grau de risco presente na tecnologia que será de fato implementada (se o for). De toda forma, pode-se facilmente perceber que a pouca atenção dada ao tema da privacidade e proteção de dados por nosso ordenamento vem dando seus frutos: desta vez, uma empresa com um histórico e linha de produtos dificilmente proponíveis em países que, de fato, tutelaram a privacidade de seus cidadãos, observa uma oportunidade de negócios no Brasil, país cuja legislação encontra-se claramente defasada nesta área e é capaz de expor os brasileiros a práticas que, em economias desenvolvidas, estão proscritas.

O site TheRegister, já devidamente escorado, refere-se desta forma às operações brasileiras da Phorm:

Brazil has long been a destination of choice for those who hit trouble in Britain, and Phorm is no different. Confirming rumours that have been circulating for several months, Phorm said it has signed deals to profile with five of the country’s ISPs.

Resta, agora, verificar de que forma o mercado brasileiro irá absorver o produto, inicialmente a partir das declarações dos provedores parceiros da Phorm.

ATUALIZAÇÃO (29/03): Dos provedores mencionados, o IG manifestou-se publicamente sobre o acordo com a Phorm, através de noticia publicada em seu site IG Tecnologia, confirmando que o Navegador entrará em fase de testes na cidade do Rio de Janeiro até, ainda em 2010, estar disponível no resto do Brasil.

O texto da “notícia” trata do Navegador como uma ferramenta cujas características beiram a paranormalidade:

O Navegador pode ser definido como um sistema de busca instantâneo de conteúdos, capaz de realizar as pesquisas sem que o internauta precise digitar os comandos num campo específico. Basta navegar.

Como é de praxe, somente as suas supostas vantagens são apregoadas, sem qualquer ressalva quanto aos potenciais riscos de sua utilização e ao fato desta mesma tecnologia estar virtualmente proscrita em outros países. A nota, que é claramente um release redigido por uma assessoria de imprensa, jamais poderia se pretender como uma “notícia”, tal como o portal IG o veicula. A linguagem publicitária é clara em trechos como o seguinte, que somente poderiam ser veiculados com a ressalva de tratar-se de mensagem publicitária ou de opinião:

Ou seja, o Navegador pode fazer que os anúncios e ofertas que surgem diante das pessoas também se pareçam mais com seus desejos de compra. Ganham os anunciantes, ganham os internautas. É um passo eficaz no campo da segmentação.