França: vida privada e lei HADOPI

O Senado francês acaba de publicar estudo que comissionou a Yves Détraigne e Anne-Marie Escoffier, intitulado “La vie privée à l’heure des mémoires numériques. Pour une confiance renforcée entre citoyens et société de l’information”.

O estudo reconhece o valor fundamental do respeito à vida privada nas sociedades democráricas, bem como a necessidade de garantias para a proteção de dados pessoais para a sua proteção.

Mencione-se ainda, de passagem, a recente decisão do Conseil Constitutionnel que examinou a Lei “Création et Internet” – a lei que procura impedir o uso da internet para o usuário que for admeoestado três vezes por descarregar material protegido por direito de autor, após sanção de uma autoridade administrativa.

A decisão, reconhecendo o acesso à Internet como um direito fundamental, estabeleceu que uma autoridade administrativa não poderia privar um cidadão deste direito, bem como inverteu a presunção de culpabilidade estabelecida pela lei contra o internauta cujo IP fosse obtido pelo detentor dos direitos de autor da obra descarregada.

Ainda há juízes na França.

Há 35 anos – Safari, ou a caça aos franceses

No ano de 1974, a França preparava-se para colocar em operação o sistema SAFARI – Système automatisé pour les fichiers administratifs et le répertoire des individus. Este sistema consistia, basicamente, na criação de um grande banco de dados com informações de todos os cidadãos franceses, permitindo a sua interconexão – iniciativa similar a outras tentativas de criação de um registro único de identidade, como o Registro Único de Identidade Civil (RIC) no Brasil .

Um artigo do jornal Le Monde em 21 de março de 1974 deu publicidade ao projeto, deixando claros os riscos às liberdades individuais e ao equilíbro dos poderes políticos que o projeto representava. A partir de então, ele passou a enfrentar forte oposição popular. O projeto SAFARI, por fim, acabou por jamais ver a luz do dia.

A movimentação popular fez com que o tema da proteção de dados passasse a ser visto com maior atenção e acabou resultando na lei de proteção de dados francesa de 1978 (Loi informatique et libertés) e na criação da agência francesa de proteção de dados, a CNIL (Commission nationale de l’informatique et des libertés).

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CNIL alerta para a “Sociedade da vigilância”

O relatório das atividades de 2006 da CNIL (Commission Nationale de l’Informatique et des Libertés), a autoridade francesa encarregada da proteção de dados pessoais, aponta para os riscos imediatos da formação de uma “Sociedade da vigilância).

O número de solicitações de instalação de equipamentos para vigilância por vídeo encaminhados à CNIL praticamente triplicou em relação ao ano passado. Paris é uma cidade que já conta com mais de 30.000 câmeras instaladas para vigilância, um numero que não chega a ser dos mais altos se comparada com outras cidades como Londres (onde afirma-se que, ainda em 2002, havia mais de 400.000 câmeras espalhadas pela cidade).

Outro alerta presente no retório que merece destaque é sobe a existência e ampla utilização de bancos dados ilícitos, isto é, em desconformidade com a legislação vigente e potencialmente lesivos aos direitos individuais. Um exemplo clamoroso foi o de uma pretendente inquilina de um imóvel que, após encontrar o apartamente desejado, apresentar e ver aprovadas todas as garantias exigidas, teve subitamente o contrato negado pelo agente imobliário. O motivo, conforme posteriormente averiguado, foi a inscrição, muitos anos atrás, do nome da pretensa inquilina em uma lista de maus pagadores. Ocorre que a lista era ilícita, isto é, referia-se a dados sobre inadimplemento em um período anterior ao permitido por lei e, além disso, a uma pessoa cujas condições creditícias atuais eram boas. Um exemplo como este ressalta o risco representado pelos bancos de dados que são mantidos e comercializados à revelia dos parâmetros definidos em lei e, mais grave ainda, a sua utiização de forma opaca, isto é, sem que sejam dados ao prejudicado meios para sequer saber que estaria sendo avaliado por meios ilícitos.

O relatório das atividades da CNIL em 2006 está disponível para download.