Tentadoras oportunidades para o uso de dados pessoais

Duas novas possibilidades de utilização das informações pesoais passaram a ser consideradas com força nos últimos dias no Brasil. Ambas se caracterizam como idéias aparentemente simples e marcadas por boas intenções, embora carreguem altas doses de abusividade na utilização de dados pessoais.
Em primeiro lugar, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro colabora na preparação de projeto de lei a ser apresentado ao Congresso Nacional pelo qual as operadoras de cartão de crédito seriam obrigadas a comunicar às “autoridades” toda compra de produtos ou serviços que possam estar relacionados ao abuso sexual de crianças e adolescentes.
Em outra iniciativa, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) anunciou que, a partir de 1˚ de julho, publicará em seu site na Internet a lista de devedores de impostos federais sob cobrança na justiça. O volume deste passivo corresponde a cerca de R$ 651 bilhões, devidos por aproximadamente 2 milhões de pessoas, o que parece justificar aos idealizadores da medida uma prática que, muito provavelmente, será questionada em nossos tribunais como uma forma de constrangimento para obtenção de cobrança.
A desproporcionalidade de ambas as medidas evidencia-se à medida que lembramos que outras fontes de dados, como a nota fiscal eletrônica, por exemplo, contém hoje informações excessivas em relação à finalidade que delas se espera – e que não é necessário eperar muito para que uma utlização “nova” seja encontrada para estas informações.

Governo italiano disponibilizou na Internet as declarações de renda de todos os seus cidadãos

As declarações de renda referentes a 2005 de todos os cidadãos italianos que a apresentaram foram disponibilizadas publicamente na Internet hoje pela manhã. A finalidade alegada é atingir uma maior transparência e um controle difuso da atividade econômica.

A exposição da vida econômica dos cidadãos e o consequente dano à privacidade foram ressaltados pro muitositalianos que acolheram com surpresa a medida. O próprio Garante para a proteção de dados pessoais, alegando não ter sido consultado sobre o caso, solicitou a suspensão imediata da medida – no que foi atendido, pois os dados não constam mais do site da Agenzia delle Entrate (em 01.05.08).

O assunto mereceu o comentário do ex-presidente da Autoridade Garante, Stefano Rodotà, para quem a esfera econômica não goza de uma proteção à sua privacidade tão forte quanto outras esferas da vida do cidadão, bem como a medida se justificaria pela maior transparência da vida econômica e financeira. (ver vídeo de sua entrevista).

Acesso a dados pessoais sem autorização judicial e o Brasil na contramão da Sociedade da Informação

Conforme noticiado pelo O Estado de São Paulo, a Advocacia-Geral da União prepara parecer que pode ter o efeito de autorizar o acesso a dados pessoais pelo Ministério Público Federal, as promotorias estaduais, a Controladoria-Geral da União, a Polícia Federal e o Tribunal de Contas da União – sem necessidade de autorizacão judicial para tal.

A medida é fundamentada, como costuma ser em tais casos, nas necessidades do combate à criminalidade.A privacidade e o sigilo, em suas diversas formas, são apresentados como subterfúgios para acobertar ações ilícitas. Ao menos no discurso, parece prevalecer uma tese há muito abandonada em diversos países que, com o passar dos anos, amadureceram suas regras de proteção de dados de uma forma balanceada: a de que um homem honesto não teria nada a esconder.

A questão que parece descurada neste e em outros debates do gênero é de que o elogio da transparência é um mero efeito retórico. O acesso às informações pessoais na Sociedade da Informação é uma das modalidades fundamentais de distibuição de poder. O fato de uma pessoa zelar pelos seus próprios dados, procurar saber para que e por quem serão utilizados, não é um metro da sua honestidades pessoal pois todos, a prescindir da honestidade pessoal, podem ser afetados por utilizações abusivas de suas informações pessoais. Até o ponto que esta distribuição continuar a ser feita ao arrepio de direitos fundamentais da pessoa em relação ao controle de suas própias informações – o que era possível, no caso, pelo controle jurisdicional da quebra do sigilo – a balança pende mais e mais a desfavor da pessoa.

Destaque-se que a Receita Federal, que eventualmente teria a ganhar com a medida, manifestou-se contrária a ela. Pode-se, em um pequeno esforço de imaginação, tentar-se supor o porque: talvez, tendo vivenciado os resultados de procedimentos que ampliam a utilização e o acesso a dados pessoais, está mais do que todos consciente que esta atividade é uma atividade de risco, cujos resultados acabam sendo, infelizmente, o vazamento e a perda de controle sobre os mesmos. A prejuízo do cidadão.