Publicado o Decreto que regulamenta o RIC – Registro de Identidade Civil – sem menções à privacidade ou proteção de dados

O Decreto presidencial nº 7.166, publicado hoje (06/05), regulamenta o Registro de Identidade Civil (RIC), que será o novo documento de identidade dos brasileiros.

O decreto cria o Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil, baseado no Ministério da Justiça, o Cadastro Nacional de Registro de Identificação Civil, e o Comitê Gestor, composto por diversos ministérios, pela Secretaria de Direitos Humanos, Casa Civil e ITI [ver press release / matéria do Convergência Digital].

O decreto não toca diretamente, em nenhum momento, no tema da proteção dos dados dos cidadãos brasileiros.

Os dados biométricos do cidadão, dados pessoais extremamente sensíveis que serão incluídos no chip de que é dotado o documento do RIC, não são sequer referidos no Decreto. Continua-se no escuro, portanto, quanto a quais dados biométricos serão coletados, quais as medidas de segurança para sua proteção e quais as garantias das quais o cidadão poderá se valer contra fraudes, abusos e discriminações baseados em tais dados.

Não são previstos meios específicos para o cidadão ter acesso aos seus dados armazenados pelo sistema e eventualmente corrigi-los.

A questão fundamental do nível de acesso dos usuários às informações armazenadas pelo sistema terá sua definição a cargo do Comitê Gestor, sem que o decreto tenha fixado princípios ou parâmetros gerais.

Nota-se, em uma primeira análise, que o decreto preocupou-se apenas com os aspectos operacionais do sistema, seguindo uma lógica meramente tecnocrática que, até o momento, tem sido dominante nas discussões em torno da adoção do RIC no Brasil.

Em vista dos efeitos potenciais do sistema para a privacidade dos cidadãos, aguaradam-se que considerações específicas sobre este tema fundamental estejam claramente presentes no trabalho dos gestores do sistema.

O texto do Decreto 7.166 encontra-se aqui ou diretamente no Diário Oficial [1] [2].

Novo artigo sobre identificação e vigilância no Brasil

Está disponível gratuitamente o artigo “Empowerment or repression? Opening up questions of identification and surveillance in Brazil through a case of ‘identity fraud’”, de David Murakami Wood e Rodrigo Firmino, publicado na revista Identity in the Information Society .

No artigo, é analisado um caso real de roubo de identidade (ou, como se costuma denominar no Brasil, “clonagem” de documentos), que leva à constatação de que no país a identificação é percebida não meramente como uma forma de controle e intromissão sobre assuntos privados (como em muitos países), mas também como um mecanismo de inclusão e mesmo de cidadania, que devem ser levados em consideração ao se tratar das peculiaridades dos estudos e das políticas públicas sobre o tema no país.

O “body scanner” – uma solução puramente reativa e invasiva para o problema da segurança aérea

A mais recente tentativa de atentado à aviação civil, realizada por um nigeriano em um vôo de Amsterdã a Detroit, causou a já usual intensificação das medidas de segurança em aeroportos de todo o mundo. Como tem sido a regra, as mudanças são puramente reativas ao último atentado ou tentativa de atentado.

A utilização de body scanners – equipamentos capazes de “ver” o corpo humano através das vestimentas – ganhou igualmente um impulso adicional e diversos aeroportos anunciaram sua intenção de coloca-los em operação em breve período. A invasividade destes aparelhos vem sendo arguida há bastante tempo, mas o que talvez seja ainda mais relevante ao se ponderar os eventuais benefícios à segurança de medidas deste gênero seja a ponderação de medidas de segurança baseadas em outro parâmetros.

Um exemplo neste sentido são as técnicas desenvolvidas na segurança aeroportuária israelense, como a análise comportamental dos passageiros. Mesmo levando-se em conta a imensa diferença de escala nas operações realizadas em um único país como Israel, chama atenção a baixa taxa de incidentes recentes e o fato de que estas medidas de segurança provocam um atraso mínimo no tempo de embarque, sem criar as dificuldades adicionais nos procedimentos de verificação de identidade e bagagem que tendem a transformar cada vez mais as viagens aéreas em um grande aborrecimento.

Os riscos do documento único de indentidade

A implementação massiva de uma nova tecnologia deve ser avaliada com cautela. Atitudes precipitadas costumam cobrar seu preço, cedo ou tarde.

A cautela não parece ser o ponto forte da proposta do RIC, o novo registro único de identidade civil brasileiro. Seu impacto potencial em relação à privacidade não é considerado de forma consistente em nenhuma fase do projeto e é esse o destaque da reportagem do jornal A Gazeta do Povo sobre o tema, de leitura recomendada.