O tratamento de dados pessoais no Projeto de Lei sobre Acesso à informação pública.

Foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 15/03 o projeto de lei sobre acesso à informação pública, que agora será apreciado pelo Senado Federal.

Este projeto, em se tornando lei, proporcionará regras claras sobre o acesso a documentos públicos ao estabelecer, entre outras disposições, as hipóteses em que documentos poderão ser considerados sigilosos em um regime estrito, com a indicação de um período máximo de sigilo de 25 anos, renováveis somente por uma vez.

O projeto não cria um organismo específico para zelar pela aplicação uniforme da lei, conforme observado (e criticado) por entidades especializadas. Órgãos deste gênero são razoavelmente comuns em diversos países (vide, como exemplo, o IFAI, no México).

Um ponto de destaque do Projeto de Lei é a sua preocupação específica com a proteção de dados pessoais. Em seu art. 31, são estabelecidas regras específicas:

Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.

§1o As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem:

I – terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de cem anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e

II – poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem. trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido.

§2o Aquele que obtiver acesso às informações de que trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido.

§3o O consentimento referido no inciso II do §1o não será exigido quando as informações forem necessárias:

I – à prevenção e diagnóstico médico, quando a pessoa estiver física ou legalmente incapaz, e para utilização única e exclusivamente para o tratamento médico;

II – à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a identificação da pessoa a que as informações se referirem;

III – ao cumprimento de ordem judicial;

IV – à defesa de direitos humanos; ou

IV – à proteção do interesse público e geral preponderante.

§4o A restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância.

§5o Regulamento disporá sobre os procedimentos para tratamento de informação pessoal.

A ausência de regulamentação específica sobre proteção de dados pessoais no Brasil faz com que, em um número crescente de circunstâncias, diplomas normativos tenham que estabelecer suas próprias referências e instrumentos de proteção aos dados pessoais, sem a possibilidade de recorrer a um estatuto geral sobre o tema e sempre correndo-se o risco de estabelecer um patamar de proteção fraco ou em contradição com outras disposições similares.

No caso deste Projeto de Lei, a presença de informações pessoais é um motivo de restrição à faculdade de acesso ao documento público. Esta regra reconhece uma primazia da tutela da informação pessoal em relação ao mandamento da transparência, que somente não será observada quando a divulgação da informação for legitimada pelo consentimento expresso do titular dos dados ou em uma das hipóteses em numerus clausus nas quais este consentimento é dispensável.

Ao incorporar a regra do consentimento expresso,o Projeto de Lei deu um largo passo ao encontro de uma efetiva tutela da informação pessoal e da efetiva liberdade e privacidade dos cidadãos.

O Projeto, talvez conscientemente, não adentrou em maiores detalhes as diversas circunstâncias em que o mero consentimento do titular dos dados pode não ser suficiente para tutelar direitos pessoais e de terceiros (caso de dados sensíveis), nem em outras situações de consentimento tácito ou não-específico em que a divulgação de dados pessoais é realizada de forma sistemática (pense-se em várias formas de divulgação de informações jurisdicionais ou na divulgação de salários e gastos com funcionários públicos, por exemplo).

É, provavelmente, pela complexidade do tema, que escapa à alçada de um diploma normativo somente sobre o acesso à informação, que o parágrafo 5º do referido artigo acaba por aludir a que “Regulamento disporá sobre os procedimentos para tratamento de informação pessoal”. E aí está presente um defeito relativamente grave do Projeto de Lei: reconhecer o tratamento das informações pessoais e a proteção de dados como um apêndice que possa ser tratado pela via regulamentar.

A proteção de dados, reconhecida em diversos ordenamentos como um direito fundamental, é peça fundamental para a liberdade contemporânea e para a manutenção do equilíbrio de poderes entre o indivíduo e os detentores de suas informações pessoais. Assim, demanda uma série de instrumentos de tutela cuja correta disposição não pode estar circunscrita às limitações de um ato normativo de caráter meramente regulamentar.

Espera-se que, na discussão futura deste Projeto de Lei, venha à tona o fato de que o acesso à informação deve vir acompanhado de instrumentos adequados para a tutela da informação pessoal, dois temas que somente em conjunto abordam de forma integral o problema da informação e as liberdades fundamentais a ela ligadas.

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